Devaneios da Língua Portuguesa

27 janeiro 2011


Lá estavam eles. Todos sentados em volta da mesa esperando a REGÊNCIA chegar para que pudessem começar a reunião. Alheio ao alvoroço, lá estava a METONÍMIA bebendo um porto e fumando um cubano, enquanto foleava um Machado de Assis. Foi então que o SOLECISMO lhe disse: "eu adoro fumar esses charuto, principalmente quando nós toma um vinhos bom como o que ti tá tomando." A PARÁFRASE se interessa pelo assunto e dispara: "como Tom Jobim já dizia ao citar Chico Buarque, dinheiro é bom para adquirir uísque, charuto, além de pagar o aluguel." E completou: "como dizia Vitor Hugo, o tabaco é uma planta que faz os pensamentos se transformarem em sonhos." A METÁFORA, que escutava calada, levantou-se, foi até a janela e, ao suspirar, sentenciou: "no outono da vida uma raposa velha como eu pode ter poucos prazeres. Um deles é lambuzar a mente com o sabor aveludado de um charuto cubano". SINONÍMIA balançava a cabeça em aprovação e murmurava "sim, o sabor aveludado, macio, veludoso". Foi então que o ADJETIVO comentou com o SUBSTANTIVO que estava ao seu lado: "que mulher notável a metáfora! Capaz de inundar meu coração deserto com suas palavras coloridas, fazendo-me novamente um homem feliz".

Coisas que aprendi com a minha mãe

24 janeiro 2011


Essa semana celebro o nascimento de minha mãe para Cristo. Gosto de entender assim a morte dela. Minha mãe foi uma pessoa interessante. Entendia mais de ajudar os outros do que a si mesma. Entregava-se ao outro e, por vezes, esquecia de recolher pra si alguma migalha do que vinha dele. Não creio que minha mãe errou quando foi assim, pois acredito que ela foi feliz quando pode dar ao outro algum conforto, um ombro pra chorar, uma palavra de carinho. Talvez eu não tenha entendido bem isso tudo enquanto estávamos juntos, mas hoje tenho certeza que entendo bem melhor e sou grato por esses ensinamentos.

Aprendi com minha mãe a preterir o ódio e acolher o amor. Esse dias li em um livro uma referência a Mandela que diz: "ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar." Hoje sei que minha mãe fez muita força para me ensinar o amor e não o ódio. Como diz um amigo em uma canção "minha mãe me disse umas coisas sobre os ódios do meu peito. Disse que o ódio que se guarda vai matando só quem sente". Vejo minha mãe dizendo a frase da música. Acredito que ela pouco (ou nunca) realmente odiou alguém na vida, mesmo que alguns até "merecessem". Alimentar o ódio é ir matando aos poucos a alma. Morremos aos poucos quando negamos ao outro o que esperamos pra nós mesmos.

Hoje, como pai, vejo que entendo certas coisas que pretendo ensinar à Mariana, como coisas aprendidas por mim através da minha mãe. Aprendi com ela sobre limites. Aprendi que o limite faz parte do amor. Aprendi que educar é também dizer não. Há uma onda de dar tudo em excesso às crianças. Dar, dar e dar, o que, de outro lado, ensina às crianças que o importante é ter, ter e ter. As pessoas estão dando tanto que nem dão tempo da crinça desejar, já vão logo dando. É com o limite dado pelos pais que as crianças se deparam pela primeira vez com a perda, com a derrota, e não há lugar melhor que um colo de mãe ou de pai para embalar nossas derrotas. É necessário que tenhamos espaços em nossas casa para falarmos das nossas perdas, nossas derrotas. Necessitamos de pais que nos escutem primeiro para depois então indicar novos rumos.

Aprendi com minha mãe que não sou melhor nem pior que ninguém. Creio que foi um ensinamento saudável, já que vivemos em uma sociedade que nos cobra o topo o tempo todo, uma sociedade que quer ter, ter e ter a qualquer custo, valendo tudo para subir ao degrau mais alto do pódio. Não raras vezes esquecemos o valor da cooperação (valor esse muito bem retratado no desenho Carros, que a Mariana adora e eu também). Por que afinal um pai deve querer que seu filho seja melhor em tudo? É nesse ambiente que surgem inclusive as mentiras, já que o filho se vê na situação de precisar permanecer sempre no topo para não decepcionar seus pais. Então aplaudimos o filho vencedor e o exibimos aos outros, como se fosse um troféu. Assim, o filho não aprende a dividir, a cooperar, a amar. Assim, vamos aos poucos fomentando o ódio. É possível construir uma vida vitoriosa sem pisar nos outros. Li uma frase bonita dita pelo Gabriel Chalita e que divido com vocês: "é na divisão da refeição que se ensina a deixar ao outro uma parte daquilo que me daria prazer." É disso que eu falo, é esse o valor da cooperação que aprendi com minha mãe.

Apredi muito com a minha mãe e com meu pai também, é preciso ser dito. Porém, hoje quero celebrar as lembranças boas que tenho dela, os momentos felizes que vivemos juntos e as imagens de amor que inundam minha mente sempre que me lembro dela. Tenho saudade sim, graças a Deus, pois é essa saudade que me faz sempre lembrar de tudo de bom que vivi e que aprendi com ela.

Tragédia no Rio

14 janeiro 2011

Eu estava aqui no meu quarto, estudando para um concurso e, por isso, um pouco fora do mundo, sem saber dos acontecimentos na região serrana do Rio de Janeiro. Pois bem, ontem resolvi parar para jantar e ligar a televisão no Jornal Nacional. Não fiz mais nada além de chorar. Hoje, novamente esperei a hora do JN para jantar e saber mais notícias. Eis que novamente mal pude engolir a comida, pois a minha vontade era de apenas chorar ao escutar as histórias daquelas criaturas que, segundo a edição do jornal, "estavam salvas".

Particularmente fiquei tocado com a história de um homem, que, dia-após-dia, faz o caminho de volta para onde ficava a sua casa, sozinho e em silêncio, na busca do corpo de sua filha morta. Fiquei imaginando que tipo de coisa passa na cabeça de um pai que todo o dia percorre o caminho do terrível encontro com o lugar devastado pela destruição e responsável pela morte de sua filha. Dia a dia este homem percorre a sua Via Crucis, do Pretório ao Calvário, subindo o monte da tristeza, carregando a cruz da perda do fruto e, quem sabe, na tentativa desesperada de compreender por qual motivo um pai é obrigado a vivenciar a morte da filha, o que no caso dele é ainda mais desesperador, já que nem mesmo tem a chance de poder enterra-la.

Nem sei mais o que eu ia escrever. Não sei mais o que escrever. Só o que posso fazer hoje é orar e chorar.

“A gente não pode ter tudo na vida”

10 janeiro 2011


É com essa frase que termina o filme “de pernas pro ar”, que eu e a Clarissa assistimos nessa semana. Aparentemente, um filme sem maiores consequências. Mais uma comédia brasileira. Um filme que até recomendo, divertido, bem feito, como uma história interessante. De qualquer forma, a ideia desse post não é comentar o filme, mas debater o que o contexto do filme, resumido nessa frase que trago como título, discute, ou, se não discute, pelo menos gera em mim essa reflexão.


De fato, nossa vida praticamente se resume a escolhas. Estamos a todo instante encarando encruzilhadas, decidindo caminhos, optando, escolhendo e, consequentemente, renunciando, desistindo de caminhos, abdicando de sonhos.

Muitas vezes me deparo com situações em que estou dizendo essa frase para a Mariana. O canal de TV que ela assiste – Discovery Kids – é recheado de propagandas de brinquedos, momento em que, sem titubear, a Mariana aponta o seu dedo para a tela e diz: “eu quero esse”. Vejam que, por vezes, a Mariana nem mesmo sabe de que brinquedo se trata, apenas “quer” todos eles. Eu, muitas vezes, olho pra ela e digo: “filha, a gente não pode ter tudo o que quer”.

Pois bem, realmente hoje vejo que, de fato, é importante passar para a Mariana essa mensagem. Ela precisa entender que na vida fazemos escolhas, conquistamos coisas, mas as vezes o conquistar de algo pressupõe a renúncia de outras tantas e, o mais importante, que isso não necessariamente é algo ruim, frustrante. Por vezes, perder, renunciar, abrir mão é algo importante, bom e até necessário.

A nossa vida de adultos também é assim. Decido tomar caminhos e é preciso trilha-los sem olhar pra trás e pensar como seria se tomasse o caminho oposto. É claro que posso corrigir o curso da vida, mas não posso viver a escolha que faço sofrendo e pensando que poderia ser melhor se tivesse seguido por outro caminho. Mais, preciso entender que realmente “a gente não pode ter tudo na vida”. Como nos traz aquela conhecida passagem da Bíblia, não posso servir a dois senhores. Quer dizer, não é possível imaginar que posso pregar o amor, pregar a paz e ao mesmo tempo alimentar o ódio por aquele que me fez mal ou assistir inerte a violência como é o racismo, a homofobia, etc.
Portanto, é preciso escolher os caminhos e vive-los em plenitude, aceitando as renúncias, compreendendo as perdas, mas recolhendo as vitórias que a escolha traz e celebrando os momentos cotidianos, que são, afinal, a possibilidade que nossa humanidade nos proporciona de construir felicidade.