Não quero ver a cena

04 setembro 2015


   Ontem a cena me gerou muitas reações. Primeiro eu não queria ver, olhava de canto de olho. Quando alguém compartilhava a tal cena eu corria a tela pra não ver. A cena em si não era tão chocante a primeira vista, mas o conteúdo que ela trazia não me fazia aceitar a sua existência. Eu confesso que até agora não tive coragem de ler nada, não vi os noticiários na televisão, não li nenhuma reportagem sobre o assunto. Não quero saber mais daquilo que já estou careca de saber. Não quero me reconhecer nesse mundo que vivo e não quero me reconhecer nas atitudes que os seres humanos, iguais a mim, são capazes para satisfazer suas próprias vontades e impor aquilo que acreditam ser verdades.
     É disso que estamos tratando, não se enganem! Isso não é um fato distante. Não tem nada a ver com o que os outros fazem. Não está lá na longínqua Síria. Não é culpa de uma religião. Não é responsabilidade de um punhado de malucos. Isso tem a ver comigo e contigo. Isso é diretamente relacionado ao nosso comportamento cotidiano, esse comportamento que nos coloca de frente com o nosso próprio umbigo, que me faz imaginar que o mundo se resume a mim mesmo e as possibilidades acerca do meu “sucesso”, daquilo que eu posso ter, dos prazeres que eu possa experimentar, do tanto dinheiro que eu possa gastar comigo mesmo e com meus desejos. Eu e você somos os criadores desse mundo violento, sim! Nós somos diretamente responsáveis pela falta de compromisso com o outro, com a falta de sensibilidade com a vida, com nosso vizinho, com aquele que dorme em um pedaço de papelão embaixo de algum viaduto (é um marginal, vagabundo, dizemos nós). Somos nós que ensinamos as nossas crianças a querer TER coisas e esquecemos de ensina-las a querer SER. Somos nós que preferimos odiar aquele que pensa de forma diferente da nossa ao invés de tentar compreendê-lo e até aprender com seus argumentos e quem sabe tentar nos fazer entender com argumentos e não com xingamentos ou ironias, ou julgamentos. Somos nós que daqui há dois ou três dias vamos mudar de assunto, pois aquela imagem não vai mais aparecer na timeline e passaremos a discutir sobre a rodada do campeonato de futebol, decidir quem é ladrão e quem é santo na política, dar um “migué” no trânsito pra chegar mais rápido que os outros, não dar nota pra sonegar imposto e depois sair num domingo de camiseta da CBF pra protestar contra a corrupção (dos outros), enfim, seguir a vida.
     Não quero ver a cena, não porque não aguento ver a criança morta na beira da praia. Não quero ver a cena porque não suportaria me enxergar nela, assistindo de braços cruzados como tenho feito. Eu sou responsável por mudar o mundo, sim! Não significa que eu tenho que pegar um avião e ir pra Síria, não é isso, mas eu posso (sem muito esforço) mudar a minha atitude frente à vida e aos meus semelhantes, mudar o meu mundo, a minha casa, eu mesmo, a minha forma de agir no mundo, a minha forma de viver.

     Que Deus receba aquele menino em seus braços e ofereça a ele o afeto que nós não fomos capazes lhe dar.

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